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Guiné-Bissau DNA reveals ilegal bushmeat trading of 6 of the 10 extant primate species in the country

Guiné-Bissau DNA reveals ilegal bushmeat trading of 6 of the 10 extant primate species in the country

Guiné-Bissau: DNA revela comércio ilegal da carne de 6 das 10 espécies de primatas existentes no país

 

• Num estudo recente publicado pela revista Biological Conservation, uma equipa de investigação internacional que conta com a participação de Maria Ferreira da Silva, investigadora no CIBIO - Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos/ InBIO Laboratório Associado e na e na School of Biosciences, Cardiff University, demonstra que 6 das 10 espécies de primatas presentes na Guiné-Bissau são vendidas para consumo humano. Igualmente alarmante é o facto de os dados obtidos através de análises moleculares realizadas pelos investigadores demonstrarem um elevado erro na identificação das espécies fornecida pelos vendedores nos mercados e restaurantes locais.

 

• Esta informação reveste-se de uma importância extrema para a definição e gestão de estratégias de conservação destes animais. Com efeito, os erros na identificação dos primatas comercializados podem não só levar à alocação desajustada de fundos e medidas de conservação a espécies menos ameaçadas, mas também levar a que as espécies mais atingidas pela caça sejam ignoradas ou permaneçam desconhecidas.

 

 

O comércio de carne de primata para consumo humano na Guiné-Bissau


A carne de primatas é uma iguaria bastante apreciada em alguns países, nomeadamente na região de África subsariana. Como confirmado pela equipa envolvida neste estudo, nos restaurantes, a carne de macaco é estufada com condimentos e cebolas, servida com pão e consumida como snack durante a ingestão de bebidas alcoólicas. Cada refeição, contendo em média 4 pedaços de carne, pode custar cerca de 2 €, um petisco considerado caro em Guiné-Bissau (onde é possível comer uma refeição principal por 0,50 €). Os vendedores tendem a basear os preços no tamanho da carcaça do animal. Por exemplo, os babuínos machos podem chegar a custar entre 17 e 25 €, enquanto as fêmeas e as espécies mais pequenas podem rondar os 6 a 12 €.


O comércio de carne de primatas é uma actividade ilegal na Guiné-Bissau, o que dificulta a identificação dos locais onde a actividade ocorre. Mas em 2010, os investigadores conseguiram identificar dois dos principais locais de comércio de carne de animais silvestres em Bissau, tendo acompanhado a actividade durante 4 meses. Para além dos mercados, visitaram ainda alguns restaurantes onde este tipo de carne é consumido. O objectivo foi determinar as espécies comercializadas para consumo, o número de animais vendidos, assim como o seu preço e local de origem.

 


Uma investigação inovadora: análise molecular vs identificação visual de espécies de primatas


Tradicionalmente, a identificação das espécies comercializadas é feita visualmente, através da análise de características morfológicas. Contudo, esta técnica é extremamente falível, principalmente atendendo ao estado em que as carcaças chegam aos locais de venda: para conservar melhor a carne, os caçadores queimam os pêlos, cortam as caudas e retiram as vísceras aos cadáveres, o que pode originar erros na identificação visual da espécie comercializada. Apesar de esta limitação ser amplamente reconhecida, os investigadores que seguem o comércio de carne de animais silvestres em mercados na África Ocidental tentam normalmente identificar as espécies visualmente, confiando muitas vezes na identificação dos vendedores.


Conscientes acerca das graves consequências dos erros inerentes à identificação visual de espécies, os investigadores envolvidos neste estudo apresentam pela primeira vez uma avaliação da ocorrência destes erros e do seu impacto na estimativa da frequência de comercialização de primatas nesta região. Assim, para a identificação das espécies, a equipa recolheu amostras da carne de cada carcaça e utilizou uma técnica molecular denominada DNA Barcoding, que consiste na sequenciação de material genético (DNA) extraído a partir de amostras e posterior comparação com sequências de exemplares já devidamente identificados disponíveis em bases de dados globais.

 

 

Levar “gato por lebre” ao comprar carne de primata


Os investigadores utilizaram os resultados destas análises moleculares para confirmar a identificação visual feita pelos vendedores, tendo verificado a existência de grandes diferenças. Com efeito, apesar de a maioria dos vendedores referir que a espécie mais vendida era o macaco mona, na realidade a maioria dos exemplares analisados era de macaco verde, uma espécie pouco referida durante as suas visitas. Maria Ferreira da Silva refere que foi surpreendente encontrar esta discrepância entre a identificação visual dos vendedores e a identificação específica pelas técnicas moleculares. Deparamo-nos com uma situação de venderem gato por lebre! Para dar uma ideia da magnitude do desvio em causa é de destacar que: com a identificação molecular, a estimativa de macacos verde vendidos nos mercados passou de 45 para 510 indivíduos (30.3%) por época seca (Maio a Novembro); por sua vez, o comércio de macacos mona foi reduzido de 1015 para 462 indivíduos (menos 30.8 %) por época seca.

 

De acordo com Maria, “os consumidores parecem não ter preferência entre a carne das várias espécies de primatas, não distinguindo o sabor de macaco verde e de mona.” Apesar de, curiosamente alguns mencionarem que “a carne de macaco verde sabe a marisco porque os macacos verde na Guiné-Bissau vivem sobretudo nas zonas de mangal e parecem alimentar-se bastante de caranguejos”. Estes resultados apontam para a necessidade de se estudar a problemática da preferência dos consumidores.


Outro aspecto particularmente importante diz respeito ao número total estimado de primatas comercializados em Bissau. Segundo os dados avançados neste estudo, há, pelo menos, 1550 primatas a serem comercializados a cada época seca nesta região. E o cenário torna-se ainda mais negro se se atender ao facto de que este número representa apenas uma pequena fracção do total de primatas caçados para consumo humano, uma vez que a maioria das carcaças são consumidas localmente (em zonas rurais) ou vendidas durante o transporte para a capital. Tânia Minhós, uma das primeiras autoras do artigo publicado pela Biological Conservation e actualmente investigadora no IGC – Instituto Gulbenkian da Ciência e no CAPP – Centro de Administração e Políticas Públicas, adverte que “o facto de termos contado 150 carcaças de primatas a serem comercializados, só em Bissau, em apenas 19 dias de observação mostra o enorme impacto que esta prática pode ter a curto prazo nas populações selvagens de primatas na Guiné Bissau.” E acrescenta que “desde 2008 que temos visitado as regiões de floresta frequentemente e temos vindo a notar um desaparecimento gradual de grupos de primatas em regiões onde inicialmente eram encontrados. O nível de caça de que encontrámos, aliada à crescente e rápida fragmentação/destruição das florestas, compromete gravemente a persistência destes primatas na Guiné-Bissau num futuro muito próximo”.


De acordo com os dados recolhidos pelos investigadores, parece estar em curso uma mudança na dinâmica da caça na Guiné-Bissau. Os macacos mona, a segunda espécie mais vendida, nunca foram referidos pela população local ou por caçadores como sendo preferencialmente caçados. Pelo contrário, os caçadores sempre referiram preferir caçar os macacos cólobos vermelho e babuínos, estes últimos com grande valor comercial. O facto de estas espécies serem actualmente menos vendidas que os macacos verde ou os macacos mona nos mercados urbanos de Bissau sugere que as suas populações podem estar a desaparecer sendo por isso mais difíceis de caçar. Tânia explica que, no futuro, os estudos desta equipa terão necessariamente em conta os resultados deste trabalho, visando “localizar as populações de primatas em todo o território da Guiné-Bissau e avaliar o seu estado de conservação, de forma a preservar aquelas cuja conservação seja mais urgente.”

 

 

Para informação adicional e entrevistas, contactar: Maria João Fonseca, divulgacao@cibio.up.pt


Artigo original: Minhós,T, Wallace, E, Ferreira da Silva, MJ, Sá, RM, Carmo, M, Barata, A & Bruford, MW (2013). DNA identification of primate bushmeat from urban markets in 4 Guinea-Bissau and its implications for conservation. Biological Conservation, 167: 43–49. Disponível em: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0006320713002504 

 

 

Sobre os Autores:


Tânia Minhós, Actualmente no IGC – Instituto Gulbenkian da Ciência, Oeiras, Portugal; e CAPP – Centro de Administração e Políticas Públicas – Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade Técnica de Lisboa, Portugal


Emily Wallace, Michael W. Bruford, Organisms and Environment Division, School of Biosciences, Cardiff University, UK


Maria Ferreira da Silva, Organisms and Environment Division, School of Biosciences, Cardiff University, UK; e CIBIO- Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos/ InBIO Laboratório Associado – Universidade do Porto, Portugal


Rui M. Sá, Actualmente em Faculty of Veterinary Medicine, University of Veterinary and Pharmaceutical Sciences, Brno, Czech Republic.


Marta Carmo, Department of Anthropology, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, Portugal


André Barata, Behaviour and Evolution Research Group, Psychology University of Stirling, UK

 

 

Sobre o compromisso do CIBIO com a promoção de cultura científica:


A disseminação de informação e cultura científica para o público em geral como uma forma de promover a literacia científica da população é uma das principais prioridades do CIBIO. Os nossos investigadores estão activamente empenhados no desenvolvimento de uma grande diversidade de iniciativas de educação e comunicação, focadas na relevância da compreensão e preservação da biodiversidade dirigidas ao grande público, às escolas e aos meios de comunicação social.

 

 

Centro de Investigação em Diversidade e Recursos Genéticos – CIBIO/InBIO Laboratório Associado, Portugal
Organisms and Environment Division, School of Biosciences, Cardiff University, UK
CESAM (Centre for Environmental and Marine Studies), DBA, Lisbon University, Portugal
Centre for Research in Anthropology, ISCTE, Portugal
Department of Anthropology, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, Portugal
Behaviour and Evolution Research Group, Psychology University of Stirling, UK

 

 

Imagem 1 e 2.

Três dos primatas caçados para consumo humano na Guiné-Bissau. A - Cólobo preto-e-branco, Fotografia de Tânia Minhós; B - Cólobo vermelho, fotografia de Tânia Minhós; C - Babuínos da Guiné, fotografia de Maria Joana Ferreira da Silva

 

Imagem 3.

Aspecto de um dos locais de venda. Neste mercado, para além de carne de primatas, podia-se comprar peixe e outros bens alimentares. Os primatas chegam aos mercados fumados, esventrados e sem cauda, o que dificulta a identificação visual da espécie. Fotografia de Maria Joana Ferreira da Silva

2013-08-15
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