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Material genético idêntico ao do vírus da hepatite c identificado no ADN do coelho e lebre dá origem ao genoma completo deste vírus

Material genético idêntico ao do vírus da hepatite c identificado no ADN do coelho e lebre dá origem ao genoma completo deste vírus

Uma equipa de investigadores da Universidade do Porto (UP) demonstrou que pequenos fragmentos genéticos idênticos (homólogos) aos do Vírus da Hepatite C que estão presentes no ADN de coelhos (Oryctolagus cuniculus) e lebres (Lepus europaeus), têm a capacidade de dar origem a porções genéticas completas do vírus semelhante ao do homem, ao se multiplicarem em células de rim de bovino cultivadas em laboratório.

 

Num artigo publicado recentemente pela prestigiada revista Scientific Reports Eliane Silva, Hugo Osório e Gertrude Thompson descrevem um modelo inovador do processo de infecção e multiplicação de elementos víricos que pode ter aplicação para o Vírus da Hepatite C, agente patogénico tão importante para a saúde humana.

 

 

O Vírus da Hepatite C

 

A origem do Vírus da Hepatite C (VHC), identificado pela primeira vez em 1989, ainda permanece desconhecida. O VHC é o principal agente etiológico de doença hepática aguda e crónica, que pode desencadear o desenvolvimento de carcinoma hepatocelular e levar à morte no ser humano. O vírus pertence à família Flaviviridae, género Hepacivirus, e possui um genoma constituído por ARN de cadeia simples e polaridade positiva. Apenas vários anos após a sua descoberta foi possível desvendar alguns aspectos do seu ciclo de vida e compreender alguns mecanismos associados à sua patogenia. Estas limitações têm-se devido sobretudo à inexistência de sistemas de células de cultura que permitam analisar de uma forma eficiente a infecção e multiplicação do vírus, assim como de modelos animais para o seu estudo.

 

 

Vírus e Doenças Infecciosas: do coelho e da lebre ao Homem

 

O reconhecimento de que as doenças infecciosas, especialmente as de origem vírica, estão entre as patologias mais importantes dos animais e do homem, tem levado a equipa envolvida nesta inovadora investigação a centrar o seu trabalho de pesquisa.

 

Na tentativa de encontrar portadores assintomáticos ou reservatórios de diversos vírus relevantes em patologia animal e humana em espécies de coelho e lebre, investigadores do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) e do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO-InBIO), e do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S) e da Faculdade de Medicina da UP, foram confrontados com a existência de algumas semelhanças (homologias) genéticas entre o genoma das espécies em estudo e o VHC.

 

A integração de material genético vírico no genoma de espécies hospedeiras não é um fenómeno recente ou desconhecido, tendo já sido descrito quer em plantas, quer em animais. Geralmente, os elementos envolvidos neste processo são designados de elementos virais endógenos (EVEs) e estes podem ter origem a partir de retrovírus, vírus de ARN ou ADN.

 

Com a excepção de algumas situações restritas às espécies de coelho Europeu (Oryctolagus cuniculus) e de lebre Europeia (Lepus europaeus), até ao presente não estava descrita a associação de EVEs ao genoma do coelho e da lebre. Mais recentemente, a equipa da UP detectou a presença de pequenos fragmentos genéticos homólogos ao VHC, endógenos ao genoma de coelhos domésticos e selvagens e de lebre, com a capacidade de se multiplicarem em linhas celulares de rim de bovino – células Mardin-Darby Bovine Kidney (MDBK), cultivadas em laboratório.

 

 

VHC: o desenvolvimento de um novo modelo de estudo

 

Confirmada a capacidade de multiplicação dos fragmentos de ADN equivalentes ao do VHC presentes nos genomas de coelho e lebre em células de bovinos, a equipa decidiu investigar mais aspectos da sua actividade biológica com o objectivo de perceber se esse processo culminaria com a produção de partículas víricas com capacidade de infectar novas células. Como explicam os investigadores, “através deste estudo pretendíamos saber se os EVEs teriam a capacidade de produzir partículas víricas com propriedades infectivas na linha de cultura celular MDBK, isto é, se quando o DNA total de coelho ou lebre fosse inoculado em células de rim de bovino, ocorreria a produção de elementos víricos”.

 

Recorrendo a avançados métodos de biologia molecular e de microscopia, tais como a quantificação do vírus em tempo real específica para o VHC, espectrofotometria de massa (MALDI-TOF/TOF-MS/MS) e imunomicroscopia electrónica, foi possível confirmar a produção e formação de partículas víricas em células de bovino inoculadas com ADN extraído de fígado de coelho e de lebre, e de comprovar a sua infectividade em células susceptíveis.

 

A análise evolutiva dos elementos víricos formados nas células MDBK a partir das amostras que se testaram revelou a presença de partículas víricas geneticamente semelhantes às do VHC, que foram por nós designados de partículas víricas do tipo-VHC do coelho (RHCV) e da lebre (HHCV)”. Os investigadores acrescentam ainda que “de acordo com a informação disponível na literatura, esta constitui a primeira descrição da produção de partículas víricas do tipo-VHC num sistema de cultura celular”, assim como que “este estudo demonstra claramente que partículas víricas do tipo-VHC são produzidas em células de linha MDBK, o que sugere que os pequenos fragmentos homólogos (EVEs) presentes no DNA genómico do coelho e da lebre conseguem internalizar as células MDBK e em conjunto com a maquinaria da célula hospedeira iniciar a replicação gerando novos vírus do tipo-VHC.”

 

 

Implicações para o futuro

 

Os resultados obtidos neste estudo indicam que o sistema de linha celular utilizado pode ser também permissivo ao VHC, o que potencialmente pode originar avanços significativos na compreensão dos mecanismos associados ao desenvolvimento da doença. Contudo, a percepção plena dos detalhes desses mecanismos, a fundamentação biológica e a relevância médica dos resultados deverá ser sustentada por investigação multidisciplinar adicional. Esta descoberta pode contribuir para o esclarecimento das teorias acerca da origem do VHC e da sua evolução. Pode ainda ajudar a perceber melhor o ciclo de vida e patogenia deste vírus, abrindo novas perspectivas à capacidade para prever ou avaliar novas abordagens terapêuticas e até mesmo para produzir uma vacina para este perigoso agente infeccioso.

 

 

Artigo original:
Silva E, Osório H, Thompson G (2015) Hepatitis C-like viruses are produced in cells from rabbit and hare DNA. Scientific Reports 5: 14535. DOI: 10.1038/srep14535.

 

Imagens: 

Imagem 1: Imunomicroscopia electrónica | Células de rim de bovino inoculadas com ADN extraído do fígado de um coelho (C) e de uma lebre (L). As células inoculadas foram posteriormente marcadas com anticorpos monoclonais conjugados com partículas de ouro e específicos para a proteína do invólucro E2 do VHC. São visíveis estruturas víricas marcadas pelos anticorpos utilizados (indicadas por setas). As partículas de ouro têm 10 nm de diâmetro. A barra de escala é de 200 nm | Créditos: In Silva E, et al; Scientific Reports, 2016

Imagem 2: Autores | Créditos: Eliane Silva, Hugo Osório e Gertrude Thompson

 

 

 

 

 

2016-09-26
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