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INVESTIGAÇÃO REVELA COMO O GENOMA DA LEBRE IBÉRICA GUARDA FRAGMENTOS DE UM “FANTASMA” DO PASSADO

INVESTIGAÇÃO REVELA COMO O GENOMA DA LEBRE IBÉRICA GUARDA FRAGMENTOS DE UM “FANTASMA” DO PASSADO

A lebre Ibérica (Lepus granatensis) distribui-se actualmente por quase toda a Península Ibérica e é a única lebre presente em Portugal. Mas nem sempre foi assim… Há 20 mil anos, quando parte da Europa estava coberta de gelo, esta espécie vivia apenas na metade Sul da Península Ibérica, enquanto que a metade Norte era habitada pela lebre variável (L. timidus). Por essa altura, a lebre Ibérica começou a invadir o território da lebre variável e, pelo caminho, apropriou-se de partes do genoma dessa espécie.

 

No estudo agora revelado os investigadores analisaram os genomas completos de indivíduos das duas espécies para explicar por que razão o genoma da lebre Ibérica guarda a memória deste “fantasma” do passado.

 

Conhecer a história para perceber a evolução: invasões e trocas de genes


As distribuições das espécies vão mudando em resposta à variação do ambiente. No último máximo glaciar, há cerca de 20 mil anos, o ambiente na Península Ibérica era mais frio e na região Norte existiam populações de lebre variável, uma espécie que hoje está presente apenas em climas frios, nos Alpes e Norte da Eurásia. O aquecimento natural do clima favoreceu a expansão da lebre Ibérica para a área então ainda ocupada pela lebre variável. Durante este período de transição climática as duas espécies acabaram por se cruzar antes do desaparecimento da lebre variável da região.
Quando “se torna possível o cruzamento entre indivíduos de duas espécies, ou seja, quando ocorre hibridação, isto pode levar à troca de informação genética entre elas” refere José Melo-Ferreira, coordenador do estudo, explicando que “foi precisamente este fenómeno, a que chamamos introgressão, que aconteceu com a lebre Ibérica”.


Hoje encontramos na lebre Ibérica fragmentos que vieram da lebre variável. Um exemplo destas porções “estrangeiras” é o ADN mitocondrial. No Norte da Península Ibérica, quase todas as lebres Ibéricas têm o ADN mitocondrial da lebre variável. Já no Sul, apenas se encontra o ADN mitocondrial original da lebre Ibérica.


Perante este cenário, os autores do estudo quiseram descobrir como estes cruzamentos no passado afectaram todo o genoma da lebre Ibérica e se as trocas genéticas entre as duas espécies ocorreram somente por acaso ou se resultaram de selecção natural. Por outras palavras, terá sido a introgressão de porções do genoma da lebre variável vantajosa para a lebre Ibérica?

 

A herança genética de um “fantasma”


Esta investigação analisou vários genomas completos destas espécies de lebre e permitiu perceber que, apesar de existirem inúmeras incompatibilidades que impediram a livre troca de genes entre as espécies, algumas porções do genoma nuclear vindas da lebre variável invadiram o genoma da lebre Ibérica. Mas, ao contrário do que se tinha visto no ADN mitocondrial, as porções “estrangeiras” são geralmente raras e ocorrem em lebres Ibéricas tanto no Norte como no Sul da Península Ibérica.


“Para compreender estas diferenças simulámos o processo de expansão da lebre Ibérica para Norte, invadindo uma região ocupada pela lebre variável, com cruzamentos entre as espécies”, explica Fernando Seixas, primeiro autor do artigo, realçando que “estas simulações resultaram em padrões muito semelhantes aos reais”. De acordo com o investigador, “os resultados indicam que, muito provavelmente, foi mesmo o acaso, durante a substituição das populações de uma espécie pelas da outra, o factor preponderante na maior parte das trocas de informação genética, tanto do ADN mitocondrial como das porções do genoma nuclear”.


No entanto, a introgressão não é rara nem ter-se-á dado ao acaso em todos os genes. Entre os genes nucleares transferidos da lebre variável, alguns apresentam padrões excepcionais. “Por vezes a informação «estrangeira» ocorre com muito maior frequência do que o esperado, de acordo com as nossas simulações, sugerindo que a introgressão nestes genes foi guiada pela selecção natural”, revela José Melo-Ferreira.


“Analisando as funções destes genes, percebemos que estão relacionados com funções imunitárias e reprodutivas dos machos. Uma melhor capacidade reprodutiva dos machos, possivelmente em resposta à introgressão do ADN mitocondrial, e de resistência a doenças poderá explicar a vantagem evolutiva desta introgressão”, explica o investigador.


Este estudo contou ainda com a participação do investigador da Universidade de Montpellier Pierre Boursot, e insere-se num projecto de cooperação internacional – Laboratório Internacional Associado (LIA) “Biodiversidade e Evolução” – entre o CIBIO-InBIO e duas instituições do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS) em Montpellier, França. Para além disso, o artigo integra o doutoramento de Fernando Seixas, realizado em cotutela entre as Universidades do Porto e de Montpellier.

 

Artigo original:

Seixas FA, Boursot P, Melo-Ferreira J (2018) The genomic impact of historical hybridization with massive mitochondrial DNA introgression. Genome Biology. DOI:10.1186/s13059-018-1471-8.

 

Imagens:

Figura 1. A lebre Ibérica, Lepus granatensis, que guarda no seu genoma fragmentos da lebre variável | Créditos de imagem: Pedro Moreira

Figura 2. Lebre variável, Lepus timidus, que em tempos esteve presente na Península Ibérica, tendo-se cruzado com as lebres locais | Créditos de imagem: Claudio Spadin

2018-07-30
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